segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Avaliação crítica sobre a peça Santa Joana dos Matadouros - dramaturgo Jair Alves

Crítica publicada no Portal Macunaíma (link: http://portalmacunaima.ning.com/group/crticasteatrais/forum/topics/santa-joana-dos-matadouros)


"Surpreendente a montagem de Santa Joana dos Matadouros, ainda em cartaz no Teatro Denoy de Oliveira, em São Paulo. O texto, inédito, de Bertold Brecht (enquanto vivo), com toda a certeza tem sido uma de suas obras mais estudadas e comentadas do teatro universal. Mesmo assim, o conjunto de ingredientes desta peça não nos parece ser o mais extraordinário na produção e, sim, a reunião de um elenco de jovens atores e excelentes músicos, mesclados a veteranos profissionais do palco, parceiros inseparáveis do legendário José Renato, diretor do espetáculo; nem é preciso ressaltar que se trata de um dos inventores do moderno teatro brasileiro.

Santa Joana dos Matadouros traz a tona várias contradições, uma delas a que derruba o mito do trabalho continuado. É indispensável discutir, entender e dar um passo à frente, depois dessa versão de Santa Joana, porque é um maravilhoso resultado, não por ser ele um trabalho com o mesmo grupo, mas sim porque José Renato, toda a equipe da UMES, incluindo o seu tradutor, Valério Bemfica e, acima de tudo, a qualidade dos atores são os responsáveis por este bom resultado.

Começa com a formação dessa trupe. Qual é a atividade humana que consegue reunir tão harmoniosamente, num mesmo ambiente de trabalho, um diretor com mais de oitenta anos e uma atriz, protagonista, que mal completou trinta anos, apresentando promissora carreira artística, e encenada num teatro que leva o nome de um cineasta, ator e militante da cultura, Denoy de Oliveira? Há poucas décadas Denoy, quando a maioria desses jovens atores nem era nascida, vivia dando “nó me pingo d'água, ou ensacando fumaça” como se diz por aí, e também “dando murro em ponta de faca”, para sobreviver carregando em suas costas a tarefa de salvar o mundo. Ele enfrentava justamente um amontoado de “revolucionários de butique”, uma legião de contestadores que o considerava um reformista. Esta rapaziada, hoje no palco dá o troco nesses falastrões. Parte desse elenco ainda mamava, quando Denoy de Oliveira era bombardeado pelo pessoal do “mais a esquerda”. Pena que este velho cineasta já não esteja mais entre nós, e nem possa dividir com os remanescentes do CPC a mesma alegria em que vivemos neste final de 2010. Com absoluta certeza o teatrinho da Rui Barbosa, espremido entre bares e casas comerciais, traz a melhor produção e nesse final de década. Pena que o mulato, com a sua tradicional camisa vermelha não estivesse presente.

No elenco, muitas surpresas a começar pela protagonista Joana Dark, interpretada pela atriz Érika Coracini. Há que ser citado, também, o antagonista Jack Pierpoint, interpretado pelo ator Alexandre Krug, candidato natural à personagem de filmes do expressionismo alemão. Mas não é apenas isso, José Renato conseguiu produzir neste espetáculo, passagens memoráveis. Numa delas a cena de Érika Coracini e Reginaldo Faidi, com não mais de um minuto, onde criam momentos de estrema beleza, - uma cena que pode entrar para a lista das melhores do teatro brasileiro de todos os tempos. Trata-se do diálogo entre um operário querendo convencer Joana a aceitar a função de operador de máquina, e ela fingindo interesse, sob os olhos do larápio Tommaso. Este é o mais perfeito exemplo de teatro distanciado, e de requintado cinismo em cena. Brecht adoraria ver o que nós temos como privilégio, o de assistir a esta peça por muitas vezes. Este conjunto de fatores cênicos, próximo do metafísico, chega a sugerir que o olhar sagaz de Bruno Campelo (Tommaso) seja os olhos de todos nós, os expectadores. Um retrato de onde pode chegar a safadeza do homem contemporâneo.

Nesses últimos 30 meses, acompanhamos direções daquele que é, também, o criador do Teatro Arena conjunto delas reflete as contradições do teatro brasileiro, nos últimos tempos, a começar pelo calvário enfrentado no seu modo de produção, vivido atualmente pela maioria dos artistas brasileiros. É com muita dificuldade que José Renato e alguns de seus fiéis escudeiros administram o Teatro dos Arcos, também em São Paulo, aonde desenvolvem um trabalho regular. Para quem dirigiu atores como Raul Cortez, Gianfrancesco Guarnieri, Lélia Abramo, Eva Wilma, merece uma melhor sorte do que a via-sacra pela qual tem passado. Para sobreviver, ele e seus diretos colaboradores investem em outros trabalhos a exemplo desse que assistimos neste final de semana último. Ao menos neste caso o esforço foi coroado com extraordinário resultado e, quem sabe, tenha encontrado o núcleo ideal para realizar outros trabalhos também indispensáveis no cenário brasileiro. Assistir ao espetáculo Santa Joana dos Matadouros foi uma das atividades mais prazerosas que tivemos nos últimos anos. Com isso exaltamos, sem medo de errar, que apesar de tudo o Teatro Brasileiro existe, sim, e com muita força. Ele não morreu, mesmo com a realidade que o cerca. O que pode ser visto, no tradicional bairro do Bexiga, é muito mais que uma peça; uma celebração cênica. Muito bom ver no palco, um elenco com mais de uma dezena de atores, representando e cantando, recuperando assim uma de nossas mais fortes expressões que é o teatro musicado.

Esta montagem em sua pequena trajetória, desde a sua estréia em plena campanha eleitoral e a indispensável difusão entre os estudantes do segundo grau organizados pelo UMES, faz um trabalho que imaginamos insano. Vimos, também, outras manifestações de elogios, a maioria direcionada a transpor o conteúdo histórico tratado na peça, crise de 29, para a nossa realidade imediata. Este fenômeno teatral estritamente ligado à poética, sequer foi apontado, sendo este, sem nenhuma dúvida o maior trunfo dessa produção. O extenso material em texto que acompanha a divulgação, não necessita de uma maior ênfase, pois a exceção e o suficiente para contextualizar por onde estão as pegadas dessa importante obra da dramaturgia, garimpada por Valério Bemfica. Entendemos que o aparato de repercussão do que se produz em teatro, nos dias atuais, mereça ser repensado os seus parâmetros. Forçar a mão, num autêntico “fazer cabeça” está congestionando o pequeno espaço de compreensão de uma juventude que vai ao teatro pela primeira vez. Este procedimento pode ser um caminho enfadonho, e pouco produtivo. Com todo o direito, a juventude que povoa as ruas, nas noites paulistanas, quer alegria e beleza, e não o mofo fedorento de uma militância esclerosada. Por este motivo, talvez, esta peça ainda não tenha “estourado”, como fenômeno de público. Torcemos para uma vida longa e com, a virada do ano e início de uma nova etapa em nossas vidas, o grande público, àquele que sai de casa sabendo o que quer assistir, possa ver ou e rever Santa Joana dos Matadouros, com a alegria que merece.

Nossa contribuição, até como agradecimento ao José Renato e também o ausente Denoy, é focar naquilo que nossos olhos vêem nessas mais de duas horas de cena e não nos preocupar com as transposições automáticas. Se a peça é ou não um libelo contra o capitalismo e o monetarismo internacional, o melhor a fazer é deixar essa discussão para os acadêmicos e especialistas da Globo News. Como pauta sugerimos à produção convidar Mirian Leitão para debater com o pessoal dos grupos, antigamente inimigos de Denoy; e eles que se lasquem. Nossa iniciativa nem é fazer uma metacritica de tudo o que já foi dito a respeito dessa montagem, mas apenas alertar que estamos diante de um fenômeno, espetacular e que extrapola os parâmetros de uma luta política e social. Estamos diante, de uma manifestação autenticamente artística. Um artístico moderno, que nasce de suas próprias contradições, unindo a tradição e a necessidade de mudança. Ao mesmo tempo, desafiamos os especialistas e teóricos “do trabalho continuado” a explicar porque se gasta tanto dinheiro público (municipal e federal), sendo que os resultados não passam sequer longe de momentos como estes retratados nessas linhas. Não é difícil imaginar esta conjugação de fatores apontados acima, associada a uma realidade brasileira imediata, com personagens falando sobre o nosso dia-a-dia para descobrir por que o teatro existe e continua combatendo nas cinzas, a obscuridade, a sua inclusive. Repetindo, ver um diretor com tamanha experiência, que usa no palco um repertório não tão “inovador”, um cenário tão singelo quanto o utilizado nos tempos de Arena, com músicos que tocam de verdade (apesar de alguns deles sofrerem de uma timidez, crônica), um texto escrito por um dramaturgo (verdade que o melhor de todos os tempos, e não o mito da criação coletiva), é uma consagração do teatro e da arte.

Este conjunto de detalhes é a prova de que todos os artistas, do elenco, técnicos e também a retaguarda devem ter consciência de que participam de um momento sublime do teatro brasileiro."

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um Dia Transformador (escrito dia 26/06/2010)

É interessante como as coisas não acontecem em vão! Hoje tive mais uma prova disso.

Aos que não sabem, sou improvisador há quatro anos, integrante e um dos fundadores da Imprópria Cia. Teatral.

A Cia. está em São Paulo desde janeiro de 2010, após três anos e meio de muito trabalho e reconhecimento em Ouro Preto/MG e região. Como todo grupo recém chegado a São Paulo, problemas aparecem e crises se instauram. Não poderia ser diferente conosco (ou poderia mas não foi). Resumindo, estivemos em cartaz com um de nossos espetáculos – Carteado – até meados de março deste ano (2010). Desde então não improvisei mais.

A crise não apenas me fez ficar um tempo sem improvisar como colocou em questão o meu trabalho enquanto improvisador. Já não tinha certeza se era isso o que eu queria fazer, se era isso o que eu sabia fazer. E um dia decidi parar.

O tempo passava e eu me afastava da impro cada vez mais. Até que um dia me peguei em reflexão: “Porra, é isso! Não preciso só improvisar. Muito pelo contrário. Outros trabalhos de ator farão crescer meu trabalho como improvisador e colaborarão com a cena a ser construída. Não sei improvisar? Será? Quem sabe na íntegra afinal?”

Vi que, na verdade, eu estava com medo de me jogar no vazio, no buraco negro que é o primeiro instante daquela história que também seria minha. Estive me cobrando também ser um “ser” que obrigatoriamente faz rir, o que literalmente não sou ou não me descobri tal. Mas a impro vai muito além disso; é sua ação mais pura e verdadeira que envolve seu parceiro de cena e o público numa história única e sublime, e que ficará pra sempre guardada em nós mas nunca revivida.

Decidi voltar a improvisar. Mas como seria isso? Li algumas coisas na net, entre artigos e outros, daqueles que não deixam nunca de ser ícones. Vi alguns vídeos antigos e outros novos. Fui me interando da coisa novamente.

Agora entra o movimento cosmos da história (ou qualquer mera coincidência de grande importância nesse meu movimento).

Há aproximadamente duas semanas a amiga e também improvisadora Luciana Milano, do espetáculo Descendo do Salto, também de São Paulo, entrou em contato comigo falando sobre um projeto de impro em um canal de WebTV, e me convidou a improvisar e papear no programa de estréia, assim logo de cara. Claro que aceitei com muita alegria e fizemos, ontem, o programa ao vivo no www.alltv.com.br. O nervosismo e a falta de prática me afetaram mas não poderia ter sido melhor meu recomeço. Sou muito grato a todos do programa.

Não bastando, há alguns instantes toucou meu telefone e, ao atender, outra surpresa. A amiga, produtora e grande pesquisadora da improvisação Lala Bradshaw, que não vejo e não falava há muito tempo por força de nossos cotidianos, me convidando para uma noite badalada de sábado ao lado do grande e também querido Gustavo Miranda e outros também grandes da impro.

Infelizmente já estava tarde para os ônibus e metrôs da cidade de São Paulo, mais especificamente da região da minha casa. E, sendo hoje um dos últimos dias do mês, minhas finanças já não permitem grandes estripulias, se é que vocês me entendem. Mas novos encontros já estão prometidos e serão efetivados.

O mais importante e que quero aqui registrar é essa magia toda, essa energia que acompanha o teatro e que faz da impro algo instigante, envolvente, provocador, enfim, motivador ao trabalho do ator. E assim continuo...