segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Três olhares

Eu me lembro bem. Era noite de abril. Muitos risos! O mesmo bar, as mesmas bebidas, as mesmas pessoas, os mesmos costumes.

A vida continuava a mesma de sempre. Por um lado uma calmaria que até incomodava, por outro aquele excesso de responsabilidades profissionais e sociais, que também incomodavam.

Sentado em minha mesa, sozinho, eu apenas observava o comportamento de cada pessoa que estava ali. À mesa ao lado, alguns atores comentavam a apresentação daquela noite. Numa outra, um pouco mais aconchegante, um casal trocava juras de amor eterno. Lá fora, um grupo de fumantes ria sem parar. E, no balcão, vidas solitárias tentavam se encontrar. Mas não eram elas que se encontravam.

Lá fora, sob a mesma árvore de sempre, aqueles amigos que tanto riam, viam chegar um outro homem. Parecia ser amigo de um deles. E esse homem foi apresentado a cada uma daquelas pessoas. Uma por uma, aperto de mão após aperto de mão, abraço após abraço, olho após olho. Mas, naquela última pessoa, não sei. Tive a impressão que não havia após olho. Aqueles olhos pareciam estar juntos. Se cruzaram e ficaram. De que forma eu não sabia, mas estavam juntos.

O tempo passava devagar. Entre idas ao banheiro e cigarros fumados, mais me impressionava a alegria lá fora. Então elegi aquele grupo, o mesmo grupo de sempre, como foco de minhas observações. Pareciam pessoas de boa classe, boa educação, índole.

Fiquei no meu canto, chopp após chopp, observando aqueles seres que estavam ali feito barões, reis, rainhas, príncipes em dia de festa. Bastava saber quem seria o bobo daquela côrte.
Mas não foi naquela noite em que o bobo se revelou.

Frustrado com essa constatação e um pouco embriagado, resolvi partir e deixá-los lá. Talvez na noite seguinte, quem sabe!?

E lá estava eu, noite após noite, intrigado com aquelas pessoas. Eu queria saber um pouco mais sobre elas. Meu voyeurismo naquele lugar era tanto que eu não me contentava em ficar longe daquelas relações interpessoais. Mas eu não as via mais. Salvo aquele homem. O que chegou depois. Ele também estava lá todas as noites, esperando o olhar complementar.

Foram seguidas noites assim. Mas, naquela quarta feira, para meu gozo interno, todos estavam lá. As mesmas risadas, os mesmos cigarros, as mesmas conversas. E os olhares se cruzavam. Ninguém percebia, apenas eles e eu. Talvez nem eles, pois se perdiam naquele deleite da visão.

Dessa vez, eram crescentes as trocas de olhares. Tantos textos eram ditos ali, em silêncio. Talvez fosse só isso, talvez nem quisessem saber mais sobre o outro. O prazer estava exatamente naquela aparente impossibilidade. O prazer ficou no não saber. Pelo menos naquela noite.

Outras noites vieram, outras semanas, outras pessoas. Mas eles sempre se encontravam naquela mesma árvore. Quando não, na mesma espera. Sempre um deles esperando uma chegada, um sinal.

Aquela relação misteriosa me interessava cada vez mais. Eu já não controlava. Estava lá todas as noites, bebendo os bons drinks servidos nas festas dos barões e esperando a espera alheia. Era como um mistério a ser desvendado. Seria mesmo por opção esse jogo ficar apenas no olhar? Eles não conversavam a sós. Se olhavam a sós.

Mais uma vez eu estava lá. E eu tinha a certeza que dessa vez os veria novamente. E foi o que aconteceu. Mais uma vez todos estavam lá.

Sexta feira. Era uma comemoração atípica. Muita gente junta, até mesmo pessoas antes não vistas. Todos, como de costume, e mesmo os sem costume, gargalhavam, brincavam, conversavam sobre arte, política, sociedade e todas as asneiras possíveis. Mas tinha um outro assunto que ninguém ouvia: o assunto do olhar. Era diferente dessa vez. Me parecia ter muito assunto. Me parecia que se conheciam em algum grau de relação.

Me intriguei com isso. Não aliviei sequer o momento dos cigarros. Eu estava sempre observando. E, assustado, confesso, viro-me para adentrar o salão principal e me deparo com os dois, a sós, no balcão. Aquele balcão onde os sozinhos se encontravam. Eles conversavam e se olhavam. O olhar falava mais que as palavras. Talvez não fosse conveniente soltar tais palavras num ambiente tão nobre. Talvez fosse um assunto proibido para os demais, mas eu entendi. Eles já eram eles. Não havia fuga, não havia riso, não havia drink, não havia côrte que os separassem. Eram plenos.

Aquele momento durou pouco. Talvez não pudessem se prolongar no momento a sós, onde todos os que estavam sós prolongavam suas noites. Logo retornaram ao agrupamento de barões, sob a frondosa árvore na área externa do palácio.

Não demorou muito e aquele homem foi embora. Depediu-se de todos como mandava a boa educação do ciclo e partiu. Pouco depois, partiram os outros e restaram apenas duas pessoas. Foi quando entendi claramente todos os olhares daqueles tempos. E entendi o motivo daquele rapaz não ter voltado até hoje: ele era um bobo aposentado. E se voltar, acredito que ficará no balcão das vidas solitárias, pois aqueles dois partiram juntos.

E, com certeza, hoje estarei lá, no mesmo cantinho, observando passo a passo daquela vitrina social. Sem tirar os olhos daquela mesma árvore.



(Bruno Campelo - 17/08/2011)

Do meu-nosso sonho

Essa noite eu tive um sonho.

Sonhei com quem tanto queria

E resolvia tudo!

Talvez fosse o sonho

De toda a realidade que quero e não tenho!

O sonho com você ao meu lado,

Enfrentando o outro lado,

A insegurança,

O medo!

E vivendo esse sonho real

De sermos juntos

Felizes

Mesmo que em sonho!



(Bruno Campelo - 26/09/11)