segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

30 primaveras e uma possível história

Algumas histórias começam pelo fim. Outras começam e acabam no curto tempo de uma anestesia. Fatos similares podem ocorrer, mas cada história é única. E nenhuma é só o que parece.
Eu tenho 30 anos e minha estação do ano preferida é a primavera. Meu pai 63 e minha mãe 57, quase 58. Tenho um tio pouco mais novo que minha mãe e uma irmã mais velha. Meus avós já estão bem velhos, mas resistem ao tempo e às lembranças.

Sou um homem reconhecido e amado. Rico, não. Nunca quis bens materiais. Pode parecer loucura ou soberba, mas hoje eu sei muito bem que eu existo pra cuidar dos outros. Eu sou a força que muita gente precisou e precisa. Minha família diz que eu sou luz pra cada um deles. É bem verdade, mas isso é coisa de família.

Eu estudei biologia dos 18 aos 22 anos. Aos 23 comecei as doces cruéis histerias da filosofia. E sou muito envolvido com as artes, por influência dos meus pais. Hoje me aventuro por partes do mundo em missões humanitárias. Da Rússia ao Brasil, da África do Sul à Índia. Em cada canto encontro situações conflituosas e gente que vive em situações cada vez mais precárias. É chegar a cada destino e logo solto: CAÇAPAVA DE URUBUCA! Desculpem-me pela indelicadeza. Sempre gostei de palavrões. E é só olhar pro que se passa que eu fico indignado. Burro! O ser humano é burro! Tenho vontade de mandar que se danem, mas os que precisam não tem culpa. Enfim...

Há quatro anos eu navegava com destino à Nova Zelândia. Era um tipo de estágio dentro do programa de ação humanitária, logo que comecei. Um grupo de oito jovens de nacionalidades diferentes, cinco mulheres e três homens, na faixa dos 25-26 anos. Todos rumo à primeira ação. Eu via a bondade nos olhos de cada um. Mas agora pensa comigo: oito jovens, um navio, primeira longa viagem (e põe longa nisso), saudade de casa, hormônios, carência, felicidade pela viagem e a sensação de liberdade que nos trazia a brisa dos oceanos. Cada um conheceu a saliva do outro, o gosto do outro. Sentimos a pele um do outro com suaves goles de vinho. Alguns Merlot, outros Cabernet Sauvignon. Vez em quando eu não identificava porque era tanto sabor ao mesmo tempo, que era impossível decifrar. Todos saborosos. Amei um a um. Quando chegamos ao destino, não tínhamos outra coisa a fazer a não ser distribuir o amor a todos os necessitados, dentro do que nos pedia a ação humanitária. Confesso que acho o sexo uma ação humanitária importantíssima, mas num era bem disso que as pessoas precisavam em meio a tanta miséria. Era – e sempre é – lindo olhar pra todas as pessoas a quem prestamos assistência. Indico essas viagens a qualquer jovem entre 18 e 99 anos (18 pra ser politicamente correto no quesito “entrosamento de equipe”).

Meus pais me apoiam. E riem quando conto os “causos” internos das viagens. Particularmente, eu acho que eles eram bem loucos quando jovens. Eles num sabem disso, mas já presenciei cenas bem “calientes e relax” entre eles. Isso eu prefiro guardar pra mim.

Antes da filosofia, eu sempre fui muito mais ligado às modernidades tecnológicas e ao conforto. Tanto que a primeira vez que eu realmente me “dispus” a sair de casa e me embrenhar no meio do mato, com uma mochila onde cabiam algumas roupas, comidas práticas enlatadas e, ao lado, uma barraca pendurada, com tudo isso quase me causando uma lordose eterna, foi quando eu tive que fazer uma pesquisa de campo no curso de biologia. Traumatizante. Considerando que eu não era dos mais entrosados, resolvi fazer tudo sozinho. Escolhi o local, aproveitei uma semana de recesso da universidade, arrumei a mochila, comprei passagens de ônibus, saí de casa, passei na casa da minha avó que, com todo seu amor tinha mais ou menos sete comidas industrializadas diferentes me esperando, e fui pegar o ônibus. Mas o recesso não era apenas da universidade. Parece que a cidade inteira resolveu viajar. O ônibus não só estava cheio. Era gente pra todo canto. Em pé ou sentado, não tinha espaço pra nada. Crianças? Umas onze. Elas estavam eufóricas.

Pneu furou. Gente, grito, susto, desce, fuma, sobe, espera, tempo, relógio, música, moça com pressão baixa, motorista, estresse, discussão, passageiro, xingamento, assistência, chave de roda, macaco, borracha, ajuda, calor, sol, ar condicionado que não funcionava e só tinha a janela, a criança vomitando, medo de assalto, celular não funcionava, livro, música, tempo e mais tempo, sede, fome, era tudo enlatado e percebi que esqueci qualquer tipo de abridor, motor, ônibus arranca e segue, cheguei ao destino. Resultado: paguei um albergue, comi os enlatados em dois dias e voltei pra casa porque eu não estava em condições de pesquisar merda nenhuma. Repeti a matéria da faculdade.
Aos 14 anos eu também repeti matéria da escola. Mas essa num dava moleza. Repeti o ano escolar inteiro por conta da matemática. Cálculos à parte, posso estar errado com qualquer um dos números citados até agora. Minha memória é restrita aos meus últimos nove meses. Mas vamos lá.

“Viemos para ganhar
Não importa se o pau quebrar
Olê, olê, olê, lê lê á
Queremos a vitória:
TIME!”

Ao som desse cântico quase ecumênico no meio futebolístico da minha escola, eu fui campeão aos sete anos. Isso foi incrível. Eu era atacante do time que competiu o intercolegial. Goleador reconhecido e eleito melhor jogador do campeonato. Sete anos, camisa sete, sete gols em sete jogos e a colocação número 1. Somando os números, dá o dia do meu aniversário.

Nem sempre o dia em que nasci era de fácil celebração. Nem sempre era celebração, nem sempre eram risos e festividades. Sempre foi difícil assim. Mas, embora a delicada data, minha história foi linda e vai continuar por pelo menos mais trinta anos dentro daqueles que me viveram.


Essa é a minha possível história da primavera de 29 de setembro de 2014.

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